Tchekhov é Um Cogumelo
Indicado ao Prêmio APCA de MELHOR ESPETÁCULO DO ANO - 2017
Indicado ao Prêmio SHELL 2017 de Melhor Música
Um dos três Melhores Espetáculos do Ano pelo júri do Guia Folha de São Paulo
Indicado ao Prêmio SHELL 2017 de Melhor Música
Um dos três Melhores Espetáculos do Ano pelo júri do Guia Folha de São Paulo
Espetáculo que celebra 10 anos da Cia. Estúdio Lusco-fusco
Tchekhov é um Cogumelo combina ficção, neurociência e memória para abordar por múltiplos ângulos e linguagens o universo da peça “As Três Irmãs” de Anton Tchekhov. Em uma síntese livre da peça original, espécie de haicai das Três Irmãs, são abordados temas como apatia, caos, esperança e desejo de mudança, ecoando as contradições do tempo presente.
FICHA TÉCNICA
Direção, Concepção e Adaptação - André Guerreiro Lopes
Texto - Extratos de “As Três Irmãs” de Anton Tchekhov
Elenco - Helena Ignez, Djin Sganzerla, Michele Matalon, Roberto Moura,
Samuel Kavalerski, Fernando Rocha e André Guerreiro Lopes
Cenário e Figurinos - Simone Mina
Direção Musical e Instalação Sonora - Gregory Slivar
Iluminação - Marcelo Lazzaratto
Coordenação e Direção de Produção - Djin Sganzerla
Produção Executiva - Melissa Oliveira
Assistente de Direção e Direção de Cena - Rafael Bicudo
Participação Especial - Grupo Embatucadores
Direção de Vídeo - André Guerreiro Lopes
Consultoria da Relação entre Neurocomputação e Performatividade - Gustavo Sol
Preparação de Canto e Músicas Tradicionais - Roberto Moura
Videoentrevista com Zé Celso – 1995 André Guerreiro Lopes (câmera), Graziela Kunsch,
Simone Kliass e Olga Maria
Visagista – Patrícia Boníssima
Operação de Luz - Ricardo Barbosa
Operação de Som - Renato Garcia
Pós-produção e Operação de Vídeo - Ricardo Botini
Assistente de Cenografia – Vinicius Cardoso
Assistente de Figurinos – Jemima Tuany
Cenotecnia – Wanderley Wagner Silva
Modelagem – Angela Yamashita, Fátima Castro Chagas
Confecção de Figurinos – Edmeia Evaristo, Augusta Castro Chagas
Contraregra – Manu Muniz
Fotos - Jennifer Glass, Morgana Narjara e André Guerreiro Lopes
Musicas Tradicionais Cantadas :
STOMIO – canto cigano do leste europeu
RUMIANA – canção da Sérvia
JOVANKE – canção da Sérvia
LOUSSIN – canto tradicional Armenio
Sobre o espetáculo
ESCULPIR O TEMPO
O tempo é a matéria-prima deste espetáculo.
Há o tempo-memória. Minha memória do encontro com Zé Celso em 1995, eu era um estudante de teatro de 20 anos, inquieto, na trilha das Três Irmãs de Tchekhov. Em uma videoentrevista no parque do Ibirapuera, as memórias do Zé sobre uma criação teatral radical do Teatro Oficina em 1972. Recentemente, quando resgatei este material, foi tocante ver tanta força, tanta potência atemporal, eternizada na precariedade de uma fita VHS-C.
Há o tempo das três irmãs, espaço mental que é simultaneamente refúgio e prisão: o sonho por um futuro grandioso que seria a volta a um passado perdido. É a recusa do tempo presente, estando (onde mais?) no tempo presente. Aqui Olga, Macha e Irina são invocadas como um haicai, uma condensação poética e livre da peça de Tchekhov. Helena, Djin e Michele, três gerações distintas, três potências complementares e contrastantes, expandindo e embaralhando os tempos. Três mulheres - ou três tempos de uma mesma mulher - que vivem em um entretempo, cercadas por um mundo incompreensível, em intensa transformação.
E há o tempo da mente, indistinto, o movimento invisível do pensamento interferindo na ação. Eletrodos que em tempo real captam minhas ondas cerebrais – pensamentos, emoções, estados meditativos - e as transformam em matéria teatral, impulsos elétricos que acionam uma instalação sonora e visual. Tornando visível um mundo invisível.
É também tempo de celebrar! 10 anos do Estúdio Lusco-fusco, companhia teatral criada por mim e Djin em 2007. Oito espetáculos, filmes, um fluxo incessante de criações, desafios e inquietações. Aqui reforçando antigas parcerias e celebrando novos encontros.
Em tempos obscuros como o nosso, de um Brasil descaracterizado, cindido, anestesiado, o agora parece estranhamente fugidio. Percebo também em mim, como nas três irmãs, uma espécie de “inação ativa”, a sensação de correr em círculos, há o tédio, o desânimo, a euforia, também há força se acumulando. Este espetáculo também nasce de uma crise.
Mas não há um tempo fora de nós, somos o tempo. Como disse Eihei Dogen (1200-1253), o tempo não passa, não foge, somos a existência-tempo. Que bela percepção. Não há existência fora do tempo, não existe tempo fora da existência. Coabitamos o tempo presente, este exato instante. Dancemos, portanto, este fluxo contínuo do agora, sem nada fixo ou permanente, que é o eterno tempo do teatro. O urgente e necessário tempo-teatro, espaço do rito, do encontro, da reinvenção simbólica de nós mesmos.
André Guerreiro Lopes
- - - - - -
Diante do delicado momento em que nos encontramos, de desesperança, apatia, desigualdade social, a poética das Três Irmãs ilumina outras possibilidades de percepção do mundo.
A força metafórica de Tchekhov ilumina nossos aprisionamentos humanos, muitas vezes mentais, que não nos permitem enxergar o hoje, o agora, para que possamos lançar voo em nossas vidas, ultrapassando o tempo e o espaço. A busca por uma outra possibilidade de vida, utópica talvez. Tornar factível o imaginável.
É com esta montagem que celebramos uma década de Estúdio Lusco-Fusco, em 2007 estreamos no SESC Paulista “Um Sonho” de August Strindberg. Montagem tão cara a mim, que nasceu da necessidade de falar sobre a morte, após e perda do meu pai. 10 anos se passaram, nas excelentes companhias de Cocteau, Strindberg, Guimarães Rosa, Sylvia Plath... Processos que apontaram para o desconhecido dentro de mim, impossíveis de atravessar sem uma verdadeira transformação na vida.
Optamos em Tchekhov é um Cogumelo por iluminar o ritual, a essência da peça As Três Irmãs. Personagens confinadas, aprisionadas em si mesmas.
Estas três irmãs são irmãs de vida. Minha mãe, Helena Ignez, parceira de todas as horas na minha jornada e Michele Matalon, amiga irmã, companheira de tantos projetos no cinema e de vida. Aqui também parceiros fundamentais de tantos projetos, como Gregory Slivar, Marcelo Lazzarato e Rafael Bicudo, conosco há muitos anos, e os novos colaboradores Roberto, Samuel e Fernando, sempre pulsantes. Que seja renovador para vocês como foi para nós. O nosso muito obrigada! Evoé!
Djin Sganzerla
Sobre a videoentrevista com José Celso Martinez Corrêa
Em 1995, o então estudante de teatro André Guerreiro Lopes e mais três colegas marcaram uma videoentrevista com o diretor teatral José Celso Martinez Corrêa. O tema seria a peça Três Irmãs de Tchekhov, abordando a montagem do Oficina de 1972.
No encontro Zé Celso relata os bastidores de um processo criativo único, radical na trajetória do Oficina. As experiências com substâncias alucinógenas permitiram uma compreensão original da obra de Tchekhov, mas o espetáculo representou a ruptura do grupo, dividido entre a busca por um teatro sagrado e um teatro profano. Na entrevista, Zé Celso discorre sobre esta experiência em detalhes, em um fluxo, dirigindo-se a jovens estudantes de teatro, contracenando com os movimentos da câmera. Esse depoimento foi transcrito, editado e publicado no livro PRIMEIRO ATO – Cadernos, Depoimentos, Entrevistas (1958/1974) do diretor Zé Celso, e considerado pelo jornalista Bernardo Carvalho como “algumas das passagens mais emocionantes e sensíveis de tudo o que já se disse ou escreveu, em todos os tempos, sobre teatro no Brasil” em crítica publicada no jornal Folha de São Paulo em 1998. O vídeo, que permaneceu inédito por mais de 20 anos, é pela primeira vez exibido para o público no espetáculo Tchekhov é um Cogumelo.
O tempo é a matéria-prima deste espetáculo.
Há o tempo-memória. Minha memória do encontro com Zé Celso em 1995, eu era um estudante de teatro de 20 anos, inquieto, na trilha das Três Irmãs de Tchekhov. Em uma videoentrevista no parque do Ibirapuera, as memórias do Zé sobre uma criação teatral radical do Teatro Oficina em 1972. Recentemente, quando resgatei este material, foi tocante ver tanta força, tanta potência atemporal, eternizada na precariedade de uma fita VHS-C.
Há o tempo das três irmãs, espaço mental que é simultaneamente refúgio e prisão: o sonho por um futuro grandioso que seria a volta a um passado perdido. É a recusa do tempo presente, estando (onde mais?) no tempo presente. Aqui Olga, Macha e Irina são invocadas como um haicai, uma condensação poética e livre da peça de Tchekhov. Helena, Djin e Michele, três gerações distintas, três potências complementares e contrastantes, expandindo e embaralhando os tempos. Três mulheres - ou três tempos de uma mesma mulher - que vivem em um entretempo, cercadas por um mundo incompreensível, em intensa transformação.
E há o tempo da mente, indistinto, o movimento invisível do pensamento interferindo na ação. Eletrodos que em tempo real captam minhas ondas cerebrais – pensamentos, emoções, estados meditativos - e as transformam em matéria teatral, impulsos elétricos que acionam uma instalação sonora e visual. Tornando visível um mundo invisível.
É também tempo de celebrar! 10 anos do Estúdio Lusco-fusco, companhia teatral criada por mim e Djin em 2007. Oito espetáculos, filmes, um fluxo incessante de criações, desafios e inquietações. Aqui reforçando antigas parcerias e celebrando novos encontros.
Em tempos obscuros como o nosso, de um Brasil descaracterizado, cindido, anestesiado, o agora parece estranhamente fugidio. Percebo também em mim, como nas três irmãs, uma espécie de “inação ativa”, a sensação de correr em círculos, há o tédio, o desânimo, a euforia, também há força se acumulando. Este espetáculo também nasce de uma crise.
Mas não há um tempo fora de nós, somos o tempo. Como disse Eihei Dogen (1200-1253), o tempo não passa, não foge, somos a existência-tempo. Que bela percepção. Não há existência fora do tempo, não existe tempo fora da existência. Coabitamos o tempo presente, este exato instante. Dancemos, portanto, este fluxo contínuo do agora, sem nada fixo ou permanente, que é o eterno tempo do teatro. O urgente e necessário tempo-teatro, espaço do rito, do encontro, da reinvenção simbólica de nós mesmos.
André Guerreiro Lopes
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Diante do delicado momento em que nos encontramos, de desesperança, apatia, desigualdade social, a poética das Três Irmãs ilumina outras possibilidades de percepção do mundo.
A força metafórica de Tchekhov ilumina nossos aprisionamentos humanos, muitas vezes mentais, que não nos permitem enxergar o hoje, o agora, para que possamos lançar voo em nossas vidas, ultrapassando o tempo e o espaço. A busca por uma outra possibilidade de vida, utópica talvez. Tornar factível o imaginável.
É com esta montagem que celebramos uma década de Estúdio Lusco-Fusco, em 2007 estreamos no SESC Paulista “Um Sonho” de August Strindberg. Montagem tão cara a mim, que nasceu da necessidade de falar sobre a morte, após e perda do meu pai. 10 anos se passaram, nas excelentes companhias de Cocteau, Strindberg, Guimarães Rosa, Sylvia Plath... Processos que apontaram para o desconhecido dentro de mim, impossíveis de atravessar sem uma verdadeira transformação na vida.
Optamos em Tchekhov é um Cogumelo por iluminar o ritual, a essência da peça As Três Irmãs. Personagens confinadas, aprisionadas em si mesmas.
Estas três irmãs são irmãs de vida. Minha mãe, Helena Ignez, parceira de todas as horas na minha jornada e Michele Matalon, amiga irmã, companheira de tantos projetos no cinema e de vida. Aqui também parceiros fundamentais de tantos projetos, como Gregory Slivar, Marcelo Lazzarato e Rafael Bicudo, conosco há muitos anos, e os novos colaboradores Roberto, Samuel e Fernando, sempre pulsantes. Que seja renovador para vocês como foi para nós. O nosso muito obrigada! Evoé!
Djin Sganzerla
Sobre a videoentrevista com José Celso Martinez Corrêa
Em 1995, o então estudante de teatro André Guerreiro Lopes e mais três colegas marcaram uma videoentrevista com o diretor teatral José Celso Martinez Corrêa. O tema seria a peça Três Irmãs de Tchekhov, abordando a montagem do Oficina de 1972.
No encontro Zé Celso relata os bastidores de um processo criativo único, radical na trajetória do Oficina. As experiências com substâncias alucinógenas permitiram uma compreensão original da obra de Tchekhov, mas o espetáculo representou a ruptura do grupo, dividido entre a busca por um teatro sagrado e um teatro profano. Na entrevista, Zé Celso discorre sobre esta experiência em detalhes, em um fluxo, dirigindo-se a jovens estudantes de teatro, contracenando com os movimentos da câmera. Esse depoimento foi transcrito, editado e publicado no livro PRIMEIRO ATO – Cadernos, Depoimentos, Entrevistas (1958/1974) do diretor Zé Celso, e considerado pelo jornalista Bernardo Carvalho como “algumas das passagens mais emocionantes e sensíveis de tudo o que já se disse ou escreveu, em todos os tempos, sobre teatro no Brasil” em crítica publicada no jornal Folha de São Paulo em 1998. O vídeo, que permaneceu inédito por mais de 20 anos, é pela primeira vez exibido para o público no espetáculo Tchekhov é um Cogumelo.
Críticas:
RESENHA CRÍTICA - José Cetra Filho
Tempo de delicadeza. Tempo de singeleza. Tempo de beleza. Tempo, tempo, tempo...
1900, ano em que Tchekhov escreve As Três Irmãs.
1972, ano em que o Grupo Oficina monta a peça por apenas alguns dias. (tive o privilégio de assistir a essa montagem, que tinha ar bastante melancólico e triste).
1995, ano em que Zé Celso Martinez Corrêa dá histórica entrevista para um grupo de estudantes de teatro sobre a montagem de 1972.
2017, ano em que André Guerreiro Lopes (um dos entrevistadores de 1995), reúne tudo isso em uma delicada viagem pelo tempo e que resulta em dos mais belos espetáculos presentes em nossa cena: TCHEKHOV É UM COGUMELO.
Em 2010 quando assisti a Ilhada Em Mim escrevi: “Eu queria ter veia poética para poder traduzir com palavras adequadas todas as sensações que tive ao assistir Ilhada em Mim. A encenação de André Guerreiro Lopes é absolutamente sensitiva e fica difícil escrever sobre ela de maneira racional.” A mesma sensação eu tive ao ver O Livro da Desordem e da Infinita Coerência (anterior a Ilhada Em Mim, mas que vi posteriormente) e eis que ela novamente se repete com este belíssimo Tchekhov É Um Cogumelo! André tem o dom de transformar poesia em ato cênico.
O espetáculo, bastante complexo, coloca em cena literalmente o que se passa no cérebro do encenador mixando de forma extremamente harmoniosa os tempos citados acima. Um ato de “esculpir o tempo” como informa o belo e informativo programa.
A mais que lúcida entrevista de Zé Celso serve como guia para o espetáculo sendo intercalada com cenas de As Três Irmãs onde Olga, Irina e Masha são representadas com muita sensibilidade por Helena Ignez, Djin Sganzerla e Michele Matalon e as canções são lindamente cantadas por Roberto Moura. Samuel Kavalerski e Fernando Rocha completam o harmonioso elenco. A iluminação de Marcelo Lazzaratto e a trilha sonora de Gregory Silvar embalam suavemente toda a encenação e não contente em esculpir o tempo, Guerreiro Lopes esculpe também o lugar nos trazendo da longínqua Rússia do início do século 20 para as ruas de São Paulo de 2017 por meio da surpreendente participação do Grupo Embatucadores. É muita emoção para um espetáculo só!
A peça também comemora os dez anos do Estúdio Lusco-fusco, a companhia teatral criada por Djin Sganzerla e André Guerreiro Lopes.
Cada um à sua maneira, Tchekhov É Um Cogumelo e Boca de Ouro (direção de Gabriel Villela, em cartaz no Tucarena) são, na forma, os dois mais belos espetáculos em cartaz na cidade, além, obviamente, da qualidade de seus conteúdos.
IMPERDÍVEL!!
José Cetra Filho – Palco Paulistano 27/08/2017
RESENHA CRÍTICA do roteirista e professor de literatura Antonio Arruda - 18 de Setembro de 2017
"TCHEKHOV É UM COGUMELO"
(resenha crítica feita por um espectador arrebatado)
Em carta ao seu principal editor, Suvorin, o escritor russo Tchekhov escreveu, em 1892: "Lembre que os escritores que chamamos de eternos ou simplesmente de bons e que nos inebriam possuem um traço comum e extremamente importante: rumam para um lugar determinado e nos chamam para lá, e sentimos, não com a razão, mas com todo o nosso ser, que eles têm uma meta, assim como a sombra do pai de Hamlet, que não por acaso surgia e sobressaltava a imaginação".
Vasculhando aqui o que possuo de Tchekhov, achei esse trecho (retirado do livro de contos "O assassinato e outras histórias", Cosac e Naify, 2002, p. 251) o que melhor ilustra meu sentimento ao assistir ao espetáculo teatral "Tchekhov é um cogumelo", em cartaz no Sesc Consolação até o dia 08 de outubro: tomou todo o meu ser, deixou-me inebriado e, principalmente, chamou-me a um lugar tão, mas tão mágico, que somente mesmo o cogumelo de Zé Celso - e a genialidade do diretor e de toda a equipe -
seria mote para esse espaço-tempo para onde a peça nos transporta.
Concebida e dirigida por André Guerreiro Lopes e com as talentosas e potentes atrizes Helena Ignez, Djin Sganzerla e Michele Matalon (e grande elenco), a peça é inspirada em trechos de "As três irmãs", de Tchekhov, e em uma entrevista concedida por Zé Celso ao então jovem estudante de teatro André Guerreiro.
No vídeo - quase mítico - Zé conta sobre sua experiência com "As Três irmãs" e o uso de alucinógenos. Sentando na grama, ele relembra o momento em que, com um amigo, traçou, no teatro, uma espécie de mandala e se transportou ao universo esotérico das três irmãs; e é a partir daí que embarcamos na viagem que a peça de André nos convida a fazer, de uma forma esteticamente arrebatadora e bela: nós, espectadores, entramos no espaço místico-mítico-espiritual dessas três personagens e, mais do que isso, no espaço místico-mítico-espiritual do zazen (prática que André realiza há anos).
Bem, vamos por partes (ainda que o Tempo não admita essa divisão); primeiro, a incrível percepção do diretor de associar o instante-já (expressão zen clariceana) teatral ao instante-já da meditação zazen: André, conectado a eletrodos que mostram o funcionamento de seu cérebro em tempo real, medita durante todo o espetáculo - ora sentado, ora praticando o kinhin (meditação caminhando); eis que o criador e diretor do espetáculo nos convida a viajar por seu cérebro criativo, pela alma criativa de Tchekhov e pelo espírito ancestral de Zé Celso (e não é, ancestralidade manifesta em fala e gestos, o que vemos no vídeo exibido durante o espetáculo?).
E nesse impulso cerebral-artístico-cênico nos deparamos com o grande elemento, ao meu ver, desse espetáculo primoroso, tecido por linhas tênues de sensibilidade e emoldurado por delicada e perspicaz tela estética: o Tempo. Melhor, o não-tempo, a não-peça, a não-ação, no sentido zen mesmo do que seja o Tempo. No instante-já teatral, passado, presente e futuro fundem-se, amalgamam-se, co-existem de forma mágica: temos o texto de Tchekhov, escrito em 1900 e encenado pela primeira vez em 1901; a experiência de Zé Celso com ele, em 1972; a entrevista que André fez com ele, em 1995, e o espetáculo "Tchekhov é um cogumelo", em tempo presente. Tudo costurado magistralmente por texto, música, projeções de vídeos (a cargo do querido amigo Ricardo Botini), iluminação, dança, objetos de cena que ganham vida e se ressignificam de forma epifânica.
Assim, um grande elogio ao Teatro se instaura: a eternização de Tchekhov, de Zé, da memória-viva do teatro brasileiro Helena Ignez, e do próprio André (e de todos os que estão envolvidos no espetáculo, inclusive nós, espectadores desse Não-tempo), diretor que teve a coragem de se vasculhar em Tempo-alma para presentear a todos com seu instante-já poético.
As almas solitárias das três irmãs ecoam etéreas e intensas em gestos carregados de arte butô, em músicas carregadas de ondas cérebro-poéticas, em composição cênica que ganha vida com uma sutileza tão encantadora que, a nós, presenteados, resta entregar-nos de corpo e alma a esse encanto.
Relembrei os quase três anos em que pratiquei o zazen no zendo de Monja Cohen; relembrei "A Gaivota", de Tchekhov, que há três anos trabalho com meus alunos de 14 anos (e que me perguntam: "Nossa, você não se cansa de ler tantas vezes um mesmo livro?"; ao que eu respondo: "ele nunca é o mesmo; nem ele, nem eu, nem vocês".) E é esse espaço da atemporalidade literária, artística, existencial, onde vida, morte e amor "tchekhovicelsianos" se entrelaçam e se sobrepõem em sons de piões que giram no tempo-já-do-teatro-mágico, que encontrei a inspiração para escrever esse texto, por meio do qual convido a todos a assistirem ao espetáculo "Tchekhov é um cogumelo", cujo final nos dá o assombro da boa amarração dramática dessa peça impecável: os batuques do grupo Embatucadores nos mostram que Teatro se faz assim, no visível que se torna invisível, pois são essas ondas que nos fazem viajar pela alma da Arte, com A maiúsculo, e em Tempo!
"TCHEKHOV É UM COGUMELO"
(resenha crítica feita por um espectador arrebatado)
Em carta ao seu principal editor, Suvorin, o escritor russo Tchekhov escreveu, em 1892: "Lembre que os escritores que chamamos de eternos ou simplesmente de bons e que nos inebriam possuem um traço comum e extremamente importante: rumam para um lugar determinado e nos chamam para lá, e sentimos, não com a razão, mas com todo o nosso ser, que eles têm uma meta, assim como a sombra do pai de Hamlet, que não por acaso surgia e sobressaltava a imaginação".
Vasculhando aqui o que possuo de Tchekhov, achei esse trecho (retirado do livro de contos "O assassinato e outras histórias", Cosac e Naify, 2002, p. 251) o que melhor ilustra meu sentimento ao assistir ao espetáculo teatral "Tchekhov é um cogumelo", em cartaz no Sesc Consolação até o dia 08 de outubro: tomou todo o meu ser, deixou-me inebriado e, principalmente, chamou-me a um lugar tão, mas tão mágico, que somente mesmo o cogumelo de Zé Celso - e a genialidade do diretor e de toda a equipe -
seria mote para esse espaço-tempo para onde a peça nos transporta.
Concebida e dirigida por André Guerreiro Lopes e com as talentosas e potentes atrizes Helena Ignez, Djin Sganzerla e Michele Matalon (e grande elenco), a peça é inspirada em trechos de "As três irmãs", de Tchekhov, e em uma entrevista concedida por Zé Celso ao então jovem estudante de teatro André Guerreiro.
No vídeo - quase mítico - Zé conta sobre sua experiência com "As Três irmãs" e o uso de alucinógenos. Sentando na grama, ele relembra o momento em que, com um amigo, traçou, no teatro, uma espécie de mandala e se transportou ao universo esotérico das três irmãs; e é a partir daí que embarcamos na viagem que a peça de André nos convida a fazer, de uma forma esteticamente arrebatadora e bela: nós, espectadores, entramos no espaço místico-mítico-espiritual dessas três personagens e, mais do que isso, no espaço místico-mítico-espiritual do zazen (prática que André realiza há anos).
Bem, vamos por partes (ainda que o Tempo não admita essa divisão); primeiro, a incrível percepção do diretor de associar o instante-já (expressão zen clariceana) teatral ao instante-já da meditação zazen: André, conectado a eletrodos que mostram o funcionamento de seu cérebro em tempo real, medita durante todo o espetáculo - ora sentado, ora praticando o kinhin (meditação caminhando); eis que o criador e diretor do espetáculo nos convida a viajar por seu cérebro criativo, pela alma criativa de Tchekhov e pelo espírito ancestral de Zé Celso (e não é, ancestralidade manifesta em fala e gestos, o que vemos no vídeo exibido durante o espetáculo?).
E nesse impulso cerebral-artístico-cênico nos deparamos com o grande elemento, ao meu ver, desse espetáculo primoroso, tecido por linhas tênues de sensibilidade e emoldurado por delicada e perspicaz tela estética: o Tempo. Melhor, o não-tempo, a não-peça, a não-ação, no sentido zen mesmo do que seja o Tempo. No instante-já teatral, passado, presente e futuro fundem-se, amalgamam-se, co-existem de forma mágica: temos o texto de Tchekhov, escrito em 1900 e encenado pela primeira vez em 1901; a experiência de Zé Celso com ele, em 1972; a entrevista que André fez com ele, em 1995, e o espetáculo "Tchekhov é um cogumelo", em tempo presente. Tudo costurado magistralmente por texto, música, projeções de vídeos (a cargo do querido amigo Ricardo Botini), iluminação, dança, objetos de cena que ganham vida e se ressignificam de forma epifânica.
Assim, um grande elogio ao Teatro se instaura: a eternização de Tchekhov, de Zé, da memória-viva do teatro brasileiro Helena Ignez, e do próprio André (e de todos os que estão envolvidos no espetáculo, inclusive nós, espectadores desse Não-tempo), diretor que teve a coragem de se vasculhar em Tempo-alma para presentear a todos com seu instante-já poético.
As almas solitárias das três irmãs ecoam etéreas e intensas em gestos carregados de arte butô, em músicas carregadas de ondas cérebro-poéticas, em composição cênica que ganha vida com uma sutileza tão encantadora que, a nós, presenteados, resta entregar-nos de corpo e alma a esse encanto.
Relembrei os quase três anos em que pratiquei o zazen no zendo de Monja Cohen; relembrei "A Gaivota", de Tchekhov, que há três anos trabalho com meus alunos de 14 anos (e que me perguntam: "Nossa, você não se cansa de ler tantas vezes um mesmo livro?"; ao que eu respondo: "ele nunca é o mesmo; nem ele, nem eu, nem vocês".) E é esse espaço da atemporalidade literária, artística, existencial, onde vida, morte e amor "tchekhovicelsianos" se entrelaçam e se sobrepõem em sons de piões que giram no tempo-já-do-teatro-mágico, que encontrei a inspiração para escrever esse texto, por meio do qual convido a todos a assistirem ao espetáculo "Tchekhov é um cogumelo", cujo final nos dá o assombro da boa amarração dramática dessa peça impecável: os batuques do grupo Embatucadores nos mostram que Teatro se faz assim, no visível que se torna invisível, pois são essas ondas que nos fazem viajar pela alma da Arte, com A maiúsculo, e em Tempo!
RESENHA CRÍTICA - por Steve Berg, escritor.
Talvez a mais surpreendente de suas muitas e prazerosas sutilezas seja o fato de que “Tchekhov é um cogumelo” transporta desde o início o espectador para uma câmara de ressonâncias sonoras e visuais dentro da qual bailam, brilham, conversam, tilintam e batucam um dos grandes clássicos da dramaturgia russa; dois diretores brasileiros de invulgar grandeza e talento (Старое и новое); um trio de atrizes cujas máscaras e corpos em movimento operam verdadeiros sortilégios; e uma companhia de atores dedicados em constante circulação.
Desde O sonho (o primeiro espetáculo do Estúdio Lusco Fusco, em 2007), a imaginação de André Guerreiro Lopes reflete uma paixão e um respeito pelo teatro e todos os seus elementos constituintes que vem se traduzindo, ao longo dos dez anos de existência, em uma sucessão de joias dramatúrgicas. No entanto, o maior feito dessa nova encenação é conseguir, sem chavões e sem palavras de ordem esvaziadas de qualquer sentido ou sentimento que não a mera contrariedade, a proeza de iluminar através da arte o presente político da nação com gestos e palavras de um passado não menos conturbado do outro lado do mundo e da história. Não é pouca coisa.
“Tchekhov é um cogumelo” será para sempre um espetáculo memorável por ter logrado evocar algo como o mais auspicioso e alvissareiro dos alinhamentos planetários, uma coisa da ordem estelar, da iluminação mesmo (onde há Helena há LUZ). A imaginação tecnológico-budista de André Guerreiro Lopes mescla memória e desejo a imagens poderosas e sempre oníricas postas em cena por um brilhante elenco encabeçado por Helena Ignez, Djin Sganzerla e Michele Matalon para oferecer ao espectador uma sofisticadíssima releitura de um dos mais importantes dramaturgos da história do teatro universal. Corram até o Sesc Consolação! Vida longa ao Estúdio Lusco Fusco!
5 de Setembro de 2017
Talvez a mais surpreendente de suas muitas e prazerosas sutilezas seja o fato de que “Tchekhov é um cogumelo” transporta desde o início o espectador para uma câmara de ressonâncias sonoras e visuais dentro da qual bailam, brilham, conversam, tilintam e batucam um dos grandes clássicos da dramaturgia russa; dois diretores brasileiros de invulgar grandeza e talento (Старое и новое); um trio de atrizes cujas máscaras e corpos em movimento operam verdadeiros sortilégios; e uma companhia de atores dedicados em constante circulação.
Desde O sonho (o primeiro espetáculo do Estúdio Lusco Fusco, em 2007), a imaginação de André Guerreiro Lopes reflete uma paixão e um respeito pelo teatro e todos os seus elementos constituintes que vem se traduzindo, ao longo dos dez anos de existência, em uma sucessão de joias dramatúrgicas. No entanto, o maior feito dessa nova encenação é conseguir, sem chavões e sem palavras de ordem esvaziadas de qualquer sentido ou sentimento que não a mera contrariedade, a proeza de iluminar através da arte o presente político da nação com gestos e palavras de um passado não menos conturbado do outro lado do mundo e da história. Não é pouca coisa.
“Tchekhov é um cogumelo” será para sempre um espetáculo memorável por ter logrado evocar algo como o mais auspicioso e alvissareiro dos alinhamentos planetários, uma coisa da ordem estelar, da iluminação mesmo (onde há Helena há LUZ). A imaginação tecnológico-budista de André Guerreiro Lopes mescla memória e desejo a imagens poderosas e sempre oníricas postas em cena por um brilhante elenco encabeçado por Helena Ignez, Djin Sganzerla e Michele Matalon para oferecer ao espectador uma sofisticadíssima releitura de um dos mais importantes dramaturgos da história do teatro universal. Corram até o Sesc Consolação! Vida longa ao Estúdio Lusco Fusco!
5 de Setembro de 2017